Ainda-Não: Sociologia e Utopia
Em tempos de crise e de perplexidade, que utopias nos podem valer? Como seria uma sociedade mais justa? Que papel tem cada um/a de nós na sua construção? Partindo do conceito de Ernst Bloch - "ainda-não" - conversamos com sociólogos e sociólogas em torno de propostas concretas para um mundo melhor. Podcast do IS-UP, a partir de conversas conduzidas pela investigadora Inês Barbosa. Trabalho financiado pela FCT no âmbito do Projeto UIDB/00727/2020.
[PT] Seth M. Holmes, da Universidade de Califórnia – Berkeley, é médico e antropólogo cultural cujo trabalho se centra, em termos gerais, nas hierarquias sociais, nas desigualdades na saúde e nas formas como essas assimetrias são naturalizadas, normalizadas e combatidas. Aproveitando a sua estadia de investigação no ISUP, foi entrevistado para o 15.º episódio do podcast “Ainda-Não: Sociologia e Utopia”. Nele, fala-nos do seu extenso trabalho etnográfico junto de trabalhadores migrantes agrícolas nos EUA e também de violência, desumanização e das guerras que assolam o mundo. Considera que a esperança é o motor que o faz persistir e estar junto das pessoas e grupos mais vulneráveis, numa luta por relações sociais mais justas. Utopia é, para ele, uma forma de democracia concreta em que as prioridades, vozes e perspetivas de todos/as são levadas em conta e ninguém é silenciado.
[ENG] Seth M. Holmes (UC Berkeley) is a physician and cultural anthropologist focused on social hierarchies and health inequalities. In this episode, he discusses his work with migrant farmworkers and shares concerns on violence and global conflicts. Holmes views utopia as a democracy where all voices are heard.
[PT] Isabel Dias é investigadora do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto e professora catedrática na FLUP. A sua atividade de investigação tem-se centrado na problemática da violência doméstica e de género, envelhecimento, abuso de idosos, trabalho feminino e saúde ocupacional. Neste episódio do podcast, fala-nos da sua trajetória pessoal e de como a consciência de classe e de género, desde cedo, marcou as suas escolhas no campo da sociologia, destacando a importância da relação entre cidadania, conhecimento e emancipação. Mais do que de utopia, considera que é o conceito de “paradoxo” que tem guiado a sua pesquisa. Face aos tempos “ameaçadores” em que vivemos, defende que a promoção da igualdade, da democracia e dos direitos humanos seja um exercício diário, nunca os tomando como garantidos.
[ENG] Isabel Dias, a University of Porto researcher and FLUP professor, focuses on domestic violence, aging, and women's work. In this podcast, she discusses how class and gender awareness influenced her sociological research.
[PT] Autor de 20 livros e de mais de 100 artigos ou capítulos, Peter Mayo é professor na Universidade de Malta, onde foi presidente do Departamento de Artes, Comunidades Abertas e Educação de Adultos e do Departamento de Estudos da Educação. É, também, responsável pela UNESCO Chair in Global Adult Education sediada na mesma universidade. Para si, um mundo socialmente justo tem de “transcender” o sistema capitalista, que é essencialmente um sistema de exploração. A luta contra todos os tipos de exploração começa, segundo o próprio, pela reflexão “sobre si mesmo” e o quanto explora outras pessoas “na vida quotidiana” ou “nas relações familiares”. O fim do racismo e as alterações climáticas são os outros dois pontos fundamentais, para si, na luta por um mundo mais justo, mais próximo da “utopia”. Autor de Gramsci, Freire e a Educação de Adultos, Peter Mayo defende uma utopia ecossocialista de “harmonia na biodiversidade”, prolongando a unidade na diversidade defendida por Paulo Freire, defendendo o respeito pela individualidade de cada um na vida social coletiva e pela relação entre a humanidade e a natureza.
[ENG] Peter Mayo, professor at the University of Malta and UNESCO Chair in Global Adult Education, has written 20 books and over 100 articles. He believes a just world must transcend capitalism and address racism and climate change, advocating for an ecosocialist utopia.
[PT] Gissele Alves é docente do Instituto Federal de Brasília/IFB, membro do Núcleo de Estudos de Linguagem e Sociedade do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília e dos grupos de pesquisas GECRIA – Educação crítica e autoria criativa e Linguagem e Práticas Sociais. É, também, investigadora em Estudos Críticos do Discurso, Estudos Críticos do Letramento e Sociologia da Educação e da Juventude, com foco em construções identificacionais, representações discursivas, discursos do letramento, educação superior e juventudes. A analista do discurso movimenta-se, há três décadas, num campo interseccional entre língua e sociedade, situando-se nos “estudos críticos do discurso” que a trouxe para a área dos estudos sociológicos e do conflito social. Considera-se como uma “realista esperançosa”, defendendo a posição utópica de “assumir ontologicamente que a vida social é um sistema aberto” e “passível de mudança por meio da agência” que, considera, é uma “força criativa”.
[ENG] Gissele Alves, professor at the Federal Institute of Brasília, specializes in Critical Discourse Studies and Sociology of Education. She focuses on identity, discursive representations, and literacy, advocating for social change through creative agency.
[PT] Socióloga, etnógrafa, feminista, é co-diretora do Centre for the Study of Women and Gender da Universidade de Warwick, Reino Unido. Foi aí que encontrou um espaço onde consegue discutir e negociar a “suposta dicotomia entre a cientista e ativista”. Preocupada com os retrocessos em termos de género e sexualidade, pela polarização e proliferação de discursos simplistas e imediatos, centra o seu trabalho na complexidade das relações de poder (nomeadamente, no âmbito das questões de género). Sente falta de espaço para o aprofundamento de temas, para o debate. Considera que o conhecimento sobre as contradições sociais e sobre as dimensões invisíveis dos fenómenos (tudo aquilo que acontece debaixo da superfície) é fulcral para transformar a sociedade. A sua prioridade é “pensar numa forma de apaixonar as pessoas pela complexidade” e fazer perceber que não há “uma resposta que vai servir para tudo”, sendo “preciso estar sempre a aprender”.
[ENG] Sociologist, ethnographer, feminist and co-director of the Centre for the Study of Women and Gender, University of Warwick. She addresses the scientist-activist dichotomy and focuses on the complexity of power relations, especially gender, aiming to inspire people to embrace complexity and continuous learning.
[PT] Cláudia Marisa é investigadora integrada do IS-UP e professora na ESMAE – Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo. Transitando entre a sociologia e a arte – que, no seu entender, partilham um olhar semelhante sobre o mundo – Cláudia fala-nos das suas inquietações: as desigualdades, a segregação, a desumanização. Ao contrário do “distanciamento brechtiano” que tinha por objetivo acordar e agitar o público, diz-nos que as novas formas de distanciamento e alienação têm servido para nos adormecer. Vê na sociologia um “ato de utopia” e aspira a uma sociedade em que o ser humano não seja somente um “número no Excel”. Deseja que se possa recuperar a sensibilidade e possamos ter tempo para contemplar, brincar ou, simplesmente, existir.
[ENG] Cláudia Marisa, a researcher at IS-UP and professor at ESMAE, explores the intersection of sociology and art. She reflects on inequalities, segregation, and dehumanization, criticizing how modern forms of distancing lull the public instead of provoking them, and sees sociology as a “utopian act” for a more sensitive and contemplative society.
Sons Perdidos e Achados
Este podcast, coordenado pela investigadora do IS-UP, Paula Guerra, é um espaço de participação cidadã de músicos e músicas da cidade do Porto - e de todo o país - que, através da opção pela liberdade criativa, todos os dias reinventam os nossos quotidianos através das possibilidades de realização, de liberdade e de resistência oferecidas pelo trabalho artístico dos sons e das palavras. Parceiros: KISMIF Conference, CITCEM, IS-UP.
[PT] Vítor Rua nasceu em Mesão Frio em 1961. Em 1980, no Porto, funda o grupo rock GNR. Em 1982 cria, com Jorge Lima Barreto, os TELECTU, grupo de música improvisada e eletroacústica live. Dele se disse: “a sua obra reflete um trabalho de recorte pós-moderno, preliminar, variegado, de recusa empirista da confinação cultural, laivo nas fronteiras estilísticas e ideoletais”. Tido como o Zappa português, Vítor sempre recusou classificações, pois não é fácil categorizá-lo. Do rock ao jazz, da improvisada à contemporânea, dos GNR aos TELECTU, mas igualmente a solo, é uma personagem singular na música portuguesa aberta à mistura, ao hibridismo, à velocidade, ao cosmopolitismo, à vertigem. À semelhança de Zappa, o humor e a ironia utilizados para comentar a contemporaneidade desempenham um papel importante na sua postura enquanto músico e compositor.
[ENG] Vítor Rua, born in Mesão Frio in 1961, founded GNR in 1980 and TELECTU in 1982. Known as the Portuguese Zappa, he avoids labels and blends rock, jazz, and improvisation, using humor and irony to comment on contemporary issues.
[PT] Músico multifacetado e prolífico, Vítor Rua obriga a uma entrevista em duas partes: na segunda, Paula Guerra trocará palavras com a persona rock de Vítor Rua; nesta primeira, Paulo Gusmão Guedes tenta abordar a sua produção na área da música contemporânea, improvisada ou escrita, incluindo expressões pós-rock ou pós-jazz, palavras convenientes para (não) descrever uma música que tem o seu quê de indescritível. Por isso mesmo, citam-se e ligam-se abaixo (Spotify ou Youtube), na mesma ordem em que são abordadas na entrevista, as obras que Vítor Rua escolhe para representarem momentos-chave da sua carreira, assim como outras de que é autor e que vai referindo ao longo de uma conversa que é tudo menos linear, e também por isso mais interessante. Como de outras músicas também se fala – de Toy e Hildegarda de Bingen, Stockhausen e Monk, Zappa e Zorn, Vangelis e Terterian – aproveita-se ainda para incluir ligações a obras destes dois últimos que suscitam rasgados elogios de Vítor Rua.
[ENG] A multifaceted and prolific musician, Vítor Rua's interview is in two parts: in this first part, Paulo Gusmão Guedes explores his work in contemporary and improvised music, including post-rock and post-jazz. Key works of his career are discussed, along with references to Toy, Hildegarda of Bingen, Stockhausen, Monk, Zappa, Zorn, Vangelis, and Terterian.
[PT] Victor Torpedo – também conhecido por Victor Silveira, Victor Clash, Vitinho, o espanholito da Sé Velha de Coimbra – nasceu em 1972 em Coimbra. A partir dos 14 foi só punk, rock’n’roll e rockabilly, primeiro com Paulo Eno e os Objectos Perdidos, depois outro Paulo e os Tédio Boys, Subway Riders, 77 e os épicos The Parkinsons. “Sou como o Lou Reed, trabalhou meio dia e desistiu”, disse. Acabou de lançar, em março de 2021, o quinto álbum a solo intitulado “Punk/Pop and Soft Rage” pela Lux Records. Chegou a chamar casa a Inglaterra, sentiu na pele a London Calling, mas voltou a Coimbra para estar “com o gangue”. Pintor e boxista nas horas vagas, Torpedo – como o herói da banda desenhada – assume que gosta de tudo olhos nos olhos, não gosta de atuações online, prefere a presença carnal da música. Para Victor, o “punk é mais do que só uma mera referência musical ou só uma estrada musical, são várias. Para mim o punk é multiplicação, diversidade e liberdade.”
[ENG] Victor Torpedo, also known as Victor Silveira and Vitinho, was born in Coimbra in 1972 and is a punk and rock’n’roll icon. In March 2021, he released the album Punk/Pop and Soft Rage and believes punk is about “multiplication, diversity, and freedom,” preferring live music over virtual performances.
[PT] Tó Trips nasceu em Lisboa, na freguesia do Castelo, em 1966, estando registado em Benfica, onde morou durante a sua infância e juventude, numa rua entre a Praça de Espanha e Sete Rios. Tó tem o rock’n’roll incorporado desde muito cedo, muito por causa do Rock Rendez Vous e do Johnny Guitar. Tó Trips é, manifestamente, um dos músicos portugueses mais interessantes das últimas décadas. Começou nos anos 1980 com os Amen Sacristi e participou nos Santa Maria Gasolina em Teu Ventre!; nos anos 1990, viveu intensamente os Lulu Blind; nos anos 2000, do encontro feliz com Pedro Gonçalves criou os Dead Combo, participou nos Ladrões do Tempo e tem feito constantes incursões a solo. Conversar com o Tó Trips é fazer uma viagem ao Portugal contemporâneo com paragens no punk/hardcore, na no-wave, no jazz, na guitarra de Carlos Paredes, no noise, na world music. É também fazer uma viagem pelo mundo (do rock), não só pelos seus sons, mas pelas suas imagens, artefactos, cenários.
[ENG] Tó Trips, born in Lisbon in 1966, is one of Portugal's most intriguing musicians. Starting with Amen Sacristi, he moved through Santa Maria Gasolina, Lulu Blind, and co-created Dead Combo. His work explores punk, no-wave, jazz, and world music, reflecting a journey through rock's diverse influences.
[PT] Nascido em Moçambique há 50 anos, Paulo Furtado deu-se a conhecer com os Tédio Boys nos anos 1990. Com o final da banda, fundou, em 2000, os Wraygunn e em 2002 estreou-se a solo, como The Legendary Tigerman. Paulo tem vários mundos e várias artes dentro de si. É compositor de bandas sonoras. É um apaixonado pela fotografia. Produziu inúmeras canções para cinema, tendo-lhe sido atribuído por duas vezes o Prémio Sophia para melhor banda sonora original. Depois de iniciar as conversas com este homem-mundo em 2008, voltamos agora a conversar com o Tigre – neste momento marcante de crise pandémica global – e fomos muito para além do blues.
[ENG] Paulo Furtado, born in Mozambique 50 years ago, gained fame with Tédio Boys in the 1990s, founded Wraygunn in 2000, and debuted as The Legendary Tigerman in 2002. A soundtrack composer and photography enthusiast, he has won the Sophia Award for Best Original Score twice. In this conversation, we explore much more than blues.