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Resumo: O projeto visa organizar, analisar e divulgar a correspondência trocada entre cidadãos anónimos e o político Mário Soares, durante a revolução e a transição para a democracia portuguesa, entre 1974 e 1978. Pretende preencher uma lacuna nos estudos sobre a revolução, que se têm centrado sobretudo na análise das instituições, dos agentes políticos e militares e dos movimentos sociais. Visa contribuir para um melhor conhecimento sobre a participação do povo na revolução, respondendo à questão principal: Que visões de um país (e para o futuro de um país) revelam as cartas escritas pelos cidadãos ao político Mário Soares?.
Pretende-se olhar para a participação cidadã na construção da democracia e compreender a relação entre cidadãos e políticos de uma nova perspetiva: a da voz do cidadão comum que inscreve a sua opinião na carta que envia ao decisor político, reforçando o sentido de pertença comum a uma “comunidade imaginada” (Anderson, 2005). Para isso, formou-se uma equipa multidisciplinar, das áreas da História, Ciência Política e das Ciências da Documentação e Informação, que reúne saberes e competências complementares, possibilitando um cruzamento teórico-metodológico.
Partindo de um universo de 7200 cartas inventariadas no arquivo Mário Soares, procuraremos selecionar um conjunto de cerca de 1500, que sejam representativas do tipo de pessoas que escreveram a Mário Soares, dos temas abordados, da linguagem utilizada e dos seus propósitos. Estas cartas abrangem o período em que Mário Soares foi secretário-geral do Partido Socialista, ministro e primeiro-ministro.
As grandes questões que marcaram o país neste período estão presentes nestas cartas. Tal como aconteceu nas ruas, em que as pessoas passaram, após o derrube da ditadura, a falar diretamente com os políticos, as cartas foram também um meio utilizado pelos cidadãos para se fazerem ouvir e participarem no processo de construção da democracia. Foram uma forma de expressão pessoal e de exercício cívico, depois de décadas de repressão. Hoje, constituem a memória de um tempo, cujas lutas, conquistas, desejos, expectativas, desânimos e transformações podem ser recuperados através destes escritos. Uma leitura destas múltiplas vozes significa outra forma de olhar para a realidade e um campo fértil em novas informações, considerando a pluralidade destas representações e dos usos da palavra escrita (Chartier, 1991).
Os cidadãos escreveram ao político sobre direitos cívicos essenciais, reclamando a sua conquista e explicando a importância nas suas vidas. Entre essas questões encontram-se o divórcio, o acesso a um sistema de saúde e à educação, melhores condições habitacionais ou o direito a um regime de pensões. Homens e mulheres desempregados pediram emprego e apoios sociais. As mulheres revelaram a imagem da condição feminina. Os emigrantes falaram da sua vida difícil, das saudades e pediram também o direito de voto. Trabalhadores da indústria e dos serviços exigiam mais direitos e proteção social. Aqueles que regressaram das ex-colónias portuguesas queixaram-se da sua situação e discutiram o processo de descolonização. Presos apelaram à amnistia. Cidadãos escreveram aconselhando o político na governação, elogiando e criticando as suas ações.
Importa, por isso, compreender as representações feitas pelos cidadãos desses temas, do valor e impacto que tinham nas suas vidas, assim como do político a quem se dirigem. Metodologicamente, a caracterização dos autores das cartas vai ser cruzada com a forma e o conteúdo das missivas, bem como com o contexto em que se inserem. Será construída uma grelha de análise da correspondência, que considera: a) o âmbito da carta ( agradecimento, protesto, pedido); b) os temas tratados (assuntos sociais; participação eleitoral, descolonização); c) a caracterização do emissor (género, faixa etária, profissão, localização geográfica); d) a resposta de Mário Soares.
O projeto procura preservar e disponibilizar esta correspondência, aumentando o património documental sobre o 25 de Abril e possibilitando novas investigações. Trata-se de um projeto inovador e pioneiro em Portugal, com semelhanças com trabalhos internacionais (ex.Projeto Cartas De Vuelta, do presidente Felipe González; Beyen, 2020), pretendendo apresentar os seguintes resultados: a) tratamento arquivístico de 7 200 cartas e análise de 1 500; b) criação de uma plataforma digital, que apresentará um conjunto representativo da correspondência; c) publicações científicas e comunicações em encontros científicos; d) eventos científicos.
É também um projeto de mediação cultural, que visa aproximar a sociedade civil deste património e dos temas marcantes da sociedade portuguesa nos últimos 50 anos. Alinhado com as prioridades da Agenda Portugal 2030, contribui para a preservação de uma memória democrática e empodera diversas comunidades.
Cronograma: setembro 2024 - fevereiro 2026
Equipa: Pedro MArques Gomes (coor.), Ana Sofia Ferreira; Adolfo Cueto; Ana Mónica Fonseca; António Coelho; Catarina Augusta da Silva Santos; David Castaño; Eunice Relvas; Filipe Guimarães da Silva; Francisco Bairrão Ruivo; Hugo Filipe Guerreiro; José António Pereira Santucci; Rita Marques; Zélia Pereira